LXXIX
- Informativo 1068
- ADI 6649 / DF
- Órgão julgador: Tribunal Pleno
- Relator(a): Min. GILMAR MENDES
- Julgamento: 15/09/2022 (Presencial)
- Ramo do Direito: Constitucional
- Matéria: Direitos e garantias fundamentais
Compartilhamento de dados no âmbito da Administração Pública federal
Resumo - É legítimo, desde que observados alguns parâmetros, o compartilhamento de dados pessoais entre órgãos e entidades da Administração Pública federal, sem qualquer prejuízo da irrestrita observância dos princípios gerais e mecanismos de proteção elencados na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018) e dos direitos constitucionais à privacidade e proteção de dados.
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Consoante recente entendimento desta Corte, a proteção de dados pessoais e a autodeterminação informacional são direitos fundamentais <u>autônomos</u>, dos quais decorrem tutela jurídica específica e dimensão normativa própria. Assim, é necessária a instituição de controle efetivo e transparente da coleta, armazenamento, aproveitamento, transferência e compartilhamento desses dados, bem como o controle de políticas públicas que possam afetar substancialmente o direito fundamental à proteção de dados (1).
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Na espécie, o Decreto 10.046/2019, da Presidência da República, dispõe sobre a governança no compartilhamento de dados no âmbito da Administração Pública federal e institui o Cadastro Base do Cidadão e o Comitê Central de Governança de Dados.
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Para a sua plena validade, é necessário que seu conteúdo seja interpretado em conformidade com a Constituição Federal, subtraindo do campo semântico da norma eventuais aplicações ou interpretações que <u>conflitem</u> com o direito fundamental à proteção de dados pessoais.
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Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedentes as ações, para conferir interpretação conforme a Constituição Federal ao Decreto 10.046/2019, nos seguintes termos:
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1. O compartilhamento de dados pessoais entre órgãos e entidades da Administração Pública, pressupõe: a) eleição de propósitos legítimos, específicos e explícitos para o tratamento de dados (art. 6º, inciso I, da Lei 13.709/2018); b) compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas (art. 6º, inciso II); c) limitação do compartilhamento ao <u>mínimo necessário</u> para o atendimento da finalidade informada (art. 6º, inciso III); bem como o cumprimento integral dos requisitos, garantias e procedimentos estabelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados, no que for compatível com o setor público.
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2. O compartilhamento de dados pessoais entre órgãos públicos pressupõe rigorosa observância do art. 23, inciso I, da Lei 13.709/2018, que determina seja dada a devida publicidade às hipóteses em que cada entidade governamental compartilha ou tem acesso a banco de dados pessoais, ‘fornecendo informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sítios eletrônicos’.
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3. O acesso de órgãos e entidades governamentais ao Cadastro Base do Cidadão fica condicionado ao atendimento integral das diretrizes acima arroladas, cabendo ao Comitê Central de Governança de Dados, no exercício das competências aludidas nos arts. 21, incisos VI, VII e VIII do Decreto 10.046/2019: 3.1. prever mecanismos rigorosos de controle de acesso ao Cadastro Base do Cidadão, o qual será limitado a órgãos e entidades que comprovarem real necessidade de acesso aos dados pessoais nele reunidos. Nesse sentido, a permissão de acesso somente poderá ser concedida para o alcance de propósitos legítimos, específicos e explícitos, sendo limitada a informações que sejam indispensáveis ao atendimento do interesse público, nos termos do art. 7º, inciso III, e art. 23, caput e inciso I, da Lei 13.709/2018; 3.2. justificar <u>formal</u>, <u>prévia</u> e <u>minudentemente</u>, à luz dos postulados da proporcionalidade, da razoabilidade e dos princípios gerais de proteção da LGPD, tanto a necessidade de inclusão de novos dados pessoais na base integradora (art. 21, inciso VII) como a escolha das bases temáticas que comporão o Cadastro Base do Cidadão (art. 21, inciso VIII); 3.3. instituir medidas de segurança compatíveis com os princípios de proteção da LGPD, em especial a criação de sistema eletrônico de registro de acesso, para efeito de responsabilização em caso de abuso.
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4. O compartilhamento de informações pessoais em atividades de inteligência observará o disposto em legislação específica e os parâmetros fixados no julgamento da ADI 6.529, Rel. Min. Cármen Lúcia, quais sejam: <u>(i)</u> adoção de medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; <u>(ii)</u> instauração de procedimento administrativo formal, acompanhado de prévia e exaustiva motivação, para permitir o controle de legalidade pelo Poder Judiciário; <u>(iii)</u> utilização de sistemas eletrônicos de segurança e de registro de acesso, inclusive para efeito de responsabilização em caso de abuso; e <u>(iv)</u> observância dos princípios gerais de proteção e dos direitos do titular previstos na LGPD, no que for compatível com o exercício dessa função estatal.
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5. O tratamento de dados pessoais promovido por órgãos públicos ao arrepio dos parâmetros legais e constitucionais importará a responsabilidade civil do Estado pelos danos suportados pelos particulares, na forma dos arts. 42 e seguintes da Lei 13.709/2018, associada ao exercício do direito de regresso contra os servidores e agentes políticos responsáveis pelo ato ilícito, em caso de culpa ou dolo.
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- A transgressão dolosa ao dever de publicidade estabelecido no art. 23, inciso I, da LGPD, fora das hipóteses constitucionais de sigilo, importará a responsabilização do agente estatal por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, inciso IV, da Lei 8.429/1992, sem prejuízo da aplicação das sanções disciplinares previstas nos estatutos dos servidores públicos federais, municipais e estaduais.”
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Por fim, o Tribunal declarou, com efeito pro futuro, a inconstitucionalidade do art. 22 do Decreto 10.046/2019, preservando a atual estrutura do Comitê Central de Governança de Dados pelo prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data de publicação da ata de julgamento, a fim de garantir ao Chefe do Poder Executivo prazo hábil para (i) atribuir ao órgão um perfil independente e plural, aberto à participação efetiva de representantes de outras instituições democráticas; e (ii) conferir aos seus integrantes garantias mínimas contra influências indevidas. Vencidos, parcialmente e nos termos de seus respectivos votos, os Ministros André Mendonça, Nunes Marques e Edson Fachin.
(1) Precedente citado: ADI 6.387 Ref-MC.
Legislação: Lei 13.709/2018 Decreto 10.046/2019
Precedentes: ADI 6.387 Ref-MC
Observação: Julgamento em conjunto: ADI 6649/DF e ADPF 695/DF (relator Min. Gilmar Mendes)
- Informativo 1033
- ADI 6529 / DF
- Órgão julgador: Tribunal Pleno
- Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA
- Julgamento: 08/10/2021 (Virtual)
- Ramo do Direito: Constitucional, Administrativo
- Matéria: Proteção à intimidade e sigilo de dados; Atividade de inteligência
Fornecimento de dados à Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e controle judicial de legalidade
Resumo - Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à ABIN quando comprovado o interesse público da medida.
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Toda e qualquer decisão de fornecimento desses dados deverá ser devida e formalmente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário.
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Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à ABIN quando comprovado o interesse público da medida.
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Os mecanismos legais de compartilhamento de dados e informações previstos no parágrafo único do art. 4º da Lei 9.883/1999 (1) são previstos para abrigar o interesse público. O compartilhamento de dados e de conhecimentos específicos que visem ao interesse privado do órgão ou de agente público não é juridicamente admitido, caracterizando-se desvio de finalidade e abuso de direito.
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O fornecimento de informações entre órgãos públicos para a defesa das instituições e dos interesses nacionais é ato legítimo. É proibido, no entanto, que essas finalidades se tornem subterfúgios para atendimento ou benefício de interesses particulares ou pessoais.
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Toda e qualquer decisão de fornecimento desses dados deverá ser devida e formalmente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário.
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Cabe destacar que a natureza da atividade de inteligência, que eventualmente se desenvolve em regime de sigilo ou de restrição de publicidade, <u>não afasta a obrigação de motivação dos atos administrativos</u>. A motivação dessas solicitações mostra-se indispensável para que o Poder Judiciário, se provocado, realize o controle de legalidade, examinando sua conformidade aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
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Ademais, ainda que presentes o interesse público e a motivação, o ordenamento jurídico nacional prevê hipóteses em que se impõe a cláusula de reserva de jurisdição, ou seja, a necessidade de análise e autorização prévia do Poder Judiciário. Nessas hipóteses, tem-se, na CF, ser essencial a intervenção prévia do Estado-juiz, sem o que qualquer ação de autoridade estatal será ilegítima, ressalvada a situação de flagrante delito.
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Com base nesse entendimento, o Tribunal conheceu parcialmente da ação direta e deu interpretação conforme ao parágrafo único do art. 4º da Lei 9.883/1999 para estabelecer que:
a) os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à ABIN quando comprovado o interesse público da medida, afastada qualquer possibilidade de o fornecimento desses dados atender a interesses pessoais ou privados;
b) toda e qualquer decisão de fornecimento desses dados deverá ser devida e formalmente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário;
c) mesmo quando presente o interesse público, os dados referentes às comunicações telefônicas ou dados sujeitos à reserva de jurisdição não podem ser compartilhados na forma do dispositivo, em razão daquela limitação, decorrente do respeito aos direitos fundamentais;
d) nas hipóteses cabíveis de fornecimento de informações e dados à ABIN, são imprescindíveis procedimento formalmente instaurado e a existência de sistemas eletrônicos de segurança e registro de acesso, inclusive para efeito de responsabilização em caso de eventual omissão, desvio ou abuso.
(1) Lei 9.883/1999: “Art. 4o À ABIN, além do que lhe prescreve o artigo anterior, compete: (...) Parágrafo único. Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência fornecerão à ABIN, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais.”
Legislação: Lei 9.883/1999, art. 4º, Parágrafo único
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